segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Existe um plano maligno no meu trabalho. Um plano para congelar a redatora. Eles devem pensar que se eu estiver com frio, sei lá, eu posso raciocinar melhor, me concentrar, whatever. Eu reclamo há meses. Ninguém faz nada, nada. Uns riem, meio que concordando, uns fingem que eu nem estou ali. Meus dedos ficam roxos, eu juro. A saída de ar fica em cima da minha cabeça e, enquanto as demais meninas podem desfilar as suas blusas sem mangas e vestidinhos variados, tudo o que me resta é lançar mão dos meus bons e velhos casaquinhos e ficar encapotada.

Então, agora eu trabalho de luvas. Lá fora, o sol queima a mufa dos cariocas, brilha. Pessoas enchem as praias. Dentro da empresa, eu, agasalhada, com luvas e casaquinhos. Reclamando, of course, porque isso eu faço mesmo. Minhas luvas são uma forma de protesto, um protesto silencioso. Atrapalham a digitação, fica até meio ridículo. Fazer o que? Ninguém faz nada. Hoje, meu co-worker, sensibilizado com minha situação, me ofereceu o casaco. Só que eu já estava com dois casacos, e mais as luvas. Então eu disse que o que eu queria, o que eu queria mesmo, é que consertassem o ar, sei lá, fizessem com que ele fosse distribuído de forma igualitária por todas aquelas pessoas. Ele riu, meio sarcástico, e disse: "Cara, tipo assim, desiste. ELES NÃO VÃO FAZER ISSO". Me restou continuar ali, semi-congelada, e reforçar a dica para que - se olharem pra mim e eu estiver meio parada, meio quieta, me cutuquem. Hipotermia é coisa séria.

Pensei alto que precisava de luvas novas, porque aquelas de lã, simples, não estavam cumprindo direito o papel de evitar a gangrena. Pensei alto que queria luvas de pele. Pêlo de carneiro, whatever. Pensei alto. Em seguida, lembrei da Julia, ao meu lado, protetora-mór dos golfinhos, adoradora de bichinhos indefesos. Ela falou que eu não podia pensar assim. Julia, a voraz devoradora de granola, come carne, eu descobri, mas só porque precisa. Ela não sente um prazer imenso ao saber que as vaquinhas morreram para que a gente pudesse se deliciar em um rodízio ou coisa que o valha. Julia ponderou que no caso das luvas, era bom para os carneirinhos, porque ajudava eles a não passar calor. Tipo, eu não estou nem aí para o calor que os carneirinhos passam. Eu estou preocupada com o frio, com as pontas dos meus dedos arroxeadas, isso é que me preocupa. E ela disse, novamente, que eu maltratava golfinhos, e resolveu incluir na mesma categoria as baleias. Eu maltrato baleias, basicamente.

Falei que eu tinha uma certa antipatia por baleias, porque tinha aquela que engolia o pinóquio e o Gepetto, e que tinha dentes que pareciam cerdas de escova de dente. Baleia Jubarte, ela disse. Julia entende de dentição de baleias. E completou dizendo que tinha sido muito bem feito ela engolir o pinóquio, que era mentiroso, e o Gepetto, que era um velho safado. Pedófilo, ela disse. Ele fez um boneco e queria que virasse um menino, só pra ele. Pra mim, vilã é mesmo a baleia.

domingo, 28 de janeiro de 2007

Acontece que eu e a garota fomos ao cinema, com mais um monte de outras garotas e mais um pouco de outros garotos. Babel, o filme. Ainda no restaurante, eu avisei: "Babel é indigesto." Falei isso porque previa as reações, e pra me livrar da suposta responsabilidade de ter sugerido o filme. Eu conheço o estilo do diretor, já vi filmes dele, todos me deixaram meio mal. Então não digam que eu não avisei. Todos toparam, ingressos comprados, sessão começando. E as tragédias todas começaram a acontecer, e as pessoas todas começaram a sofrer. Eu já sabia, estava lá consciente, Babel era indigesto, eu até fiz questão de avisar. Tenso. Quando algumas pessoas saíram do cinema no meio, eu previ que a garota ia começar a reclamar. E ela começou. E eu lá, firme, assistindo os pobres coitados dos molequinhos marroquinos que atiraram na turista, as criancinhas abandonadas no meio do deserto no meio da madrugada, a japonesa surda tentando se divertir em uma boate high tech. Achando tudo muito bom, naturalmente. Eu queria ver esse filme, veria sozinha se necessário fosse. Quando as criancinhas louras e nórdicas foram abandonadas pelo Gael Garcia no deserto, a garota falou, em tom de ameaça: "se essas crianças morrerem, EU SAIO DO CINEMA". Comecei, pela primeira vez durante o filme, a torcer para que nada de mal acontecesse às criancinhas no deserto, não pelo bem estar delas, ou para a minha paz de espírito. Comecei a torcer para o bem delas para que Ana Luiza não saísse do cinema no meio, e isso não virasse um problema. Porque eu não iria atrás dela, e acho que alguém do grupo, provavelmente a Flavia, poderia fazer isso, e eu não queria o meu pequeno universo - ali, dentro da sala, durante o filme - fosse destruído. Se eu não fosse atrás dela e ela efetivamente cumprisse a promessa / ameaça e saísse da sessão, eu ia, durante o filme ainda, me desconcentrar e pensar onde será que a garota foi, o que ela estava fazendo, e isso ia ser motivo de briga, imaginem só, me tirar da sessão de cinema. Então eu torcia para que o filme indigesto tivesse final feliz. Não por mim. Para que ela não atrapalhasse.

Quando a sessão indigesta finalmente acabou eu disse, em tom meio conciliatório, em meio à revolta de mais da metade do grupo, que o filme era bom. Quase fui atacada. Olhei para a garota e disse que esse era o ultimo filme em parceria do Iñarritu com o Arriaga, roteirista. Falei. Ela disse, bem alto mesmo: GRAÇAS A DEUS.

Eu achei bom. Indigesto. Mas bom.

Acontece que quando fomos assistir Syriana, lá no ano passado, ela reclamou mais ainda. Disse que todos os muçulmanos eram iguais. Pra ela, os mais de 10 personagens muçulmanos do filme eram um só, ela nem sabia que eram vários. Durante a sessão, dormiu, acordou, falou ao telefone, reclamou de frio, de calor, do filme, de fome. Me xingou duas ou três vezes por ter escolhido o filme. Uma vergonha. Ana Luiza gosta de Legalmente Loura. Eu também, acho um filme divertido, tenho até os DVDs. Ana Luiza reclama quando o filme não é de amor, quando as criancinhas sofrem, quando coisas ruins acontecem. Quando o final não é feliz.

Da próxima vez, eu levo Ana Luiza pra ver filme da xuxa.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

"Você maltrata os golfinhos!"

A declaração
veio assim, sem aviso prévio, ao final do dia no trabalho. Eu sabia o motivo do suposto ataque, mas resolvi dar corda. "Eu? Maltrato os golfinhos? Como assim?"


Voltando no tempo uns vinte dias, estamos na primeira semana de Júlia, a mais nova membro da equipe. Estou eu, feliz e satisfeita, passando o meu creminho para as mãos de pitanga da natura. Júlia, horrorizada, me pergunta como é possível eu fazer algo, assim, tão horrível. "Horrível? - eu pergunto - "Mas o creme é tão bom, hidrata as mãos, tem um cheiro delicioso. É de pitanga!" Julia prossegue, dizendo que a natura faz testes em animaizinhos, testa o meu creminho de pitanga em gatinhos e cachorrinhos indefesos. Pensei que aquilo tudo era muito estranho, porque a natura baseia toda a sua comunicação dizendo ser uma empresa ética, e envolvida em causas ambientais, etc. Mas isso não importava naquele momento. Pontuei, tentando fazer alguma graça com a situação, que aquilo, na verdade, era uma boa ação, hidratar gatinhos e cachorrinhos com creminhos da natura. Todo mundo riu, aquilo era uma piada. Júlia não moveu um só músculo da face.

E, desde então, tenho me dedicado a observá-la. Couro sintético. Será que é vegetariana? Faz parte de alguma ONG? Como explicar para ela que fazemos parte de uma cadeia alimentar e, surpresa, estamos no topo? Crianças que crescem sem comer carne têm um QI mais baixo, eu li. Como isso parecia ser realmente sério pra ela, deixei pra lá.

Até hoje, quando, sem mais nem menos, sem aviso, ela disse, pra mim, com todas as letras: "Você maltrata os golfinhos!". Pensei que a única vez em que eu me encontrei com um golfinho foi quando o Flipper esteve visitando o Brasil, lá pelos anos 80. Acho golfinhos extrafofos. São inteligentes, dizem. Se reconhecem, se comunicam, são sociáveis, bichinhos "gente boa", por assim dizer. Não sou muito ligada à natureza, e isso também é fato. Odeio insetos e gatos me deixam desconfiada. Gosto de quase todos os cachorros.
Tartarugas são legais, e acho cobras animais perigosíssimos, principalmente as constrictoras. De resto, gosto de patos, pinguins e sou radicalmente contra a matança de baleias e elefantes. E de golfinhos, of course.

Não acho legal o lance com os casacos de pele, mas confesso que acho bonitos. Não usaria jamais, até porque o calor infernal do Rio de Janeiro não me permite. Não acho legal tranformar 63 minks em um casaco de pele. Me apiedo dos gansos que sofrem para que seus fígados fiquem inchados e apetitosos. Tenho pena de cavalos e burros que puxem carroças.

Não é que eu não me preocupe com o rumo que o mundo está tomando. Eu jogo os meus papéis no lixo, e uso aquelas lâmpadas incandescentes medonhas, que são suspeitas de causar depressão e deixam a gente parecendo mais velha e mais gorda. Será que a depressão vem daí? Whatever. Gasto mais água do que deveria. Não me orgulho disso. O fato é que, se eu fosse como a Júlia, antenada com os problemas do efeito estufa e com o desenvolvimento auto sustentável, eu estaria me sentindo muito, muito mal com tudo isso. Porque a gasolina do meu carro queima e vira poluição, e eu sou a única passageira dele, na maioria das vezes. Minha própria poluição. A água doce vai acabar, as geleiras estão derretendo, o mundo está esquentando. E minha preocupação maior é comprar casaquinhos, ou bolsas de couro.

Adoro bolsas. A maior extravagância que eu cometi com compras foi uma bolsa feita com couro de cabrinhas bebês, que provavelmente pastavam felizes em algum vale esverdeado antes que tivessem as suas vidas ceifadas para virar bolsa. A minha bolsa. Extra large, bege clarinho, com frisos pretos e abertura diagonal. Muito brilho.

Além do mais, vacas estão contribuindo para o aumento do buraco da camada de ozônio. Parece que os gases que elas produzem, aquelas porquinhas, são extremamente tóxicos, nocivos a nós, pobres humanos. Li isso em algum lugar, quem quiser que comprove via Google. Tá lá, aposto. Um golfinho, outro dia, saltou sobre uma mulher em um barco, e matou a pobrezinha. Cada um se vira como
pode.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

férias

Eu queria férias. Férias curtas, que fossem. Três, quatro dias, ou então, melhor, uma semana só pra mim. Eu acordaria tarde todos os dias, veria meus programas de fofoca sem culpa, comeria quando sentisse fome. Estaria confortavelmente jogada no meu sofá de veludo, com almofadas fofas, vendo temporadas e temporadas de seriados antigos, já cancelados. Então emendaria com Malhação e, por que não, novelas. Sairia pra comer com as pessoas em um lugar legal, com sobremesas gostosas, sem hora pra voltar. Não teria nenhum livro do mba pra ler, e releria os meus livros do Nick Hornby, assim, pra passar o tempo. Não precisaria responder e-mails, só os que eu quisesse. Escreveria todos os posts do mundo, pra ter arquivos guardados sempre que outra madame começasse os rituais de malcriação. Faria downloads de coisas legais que quero ver/ouvir. Passearia à toa no shopping, compraria casaquinhos, tomaria um chocolate quente. Ficaria horas e horas na Fnac, andando entre os corredores, descobrindo livros, dvds e cds. Pensaria um pouco mais se devo ou não comprar um Ipod agora. Ou guardar dinheiro para, quem sabe, trocar o carro mais pra frente. Veria mais tv. Big Brother. Realities variados. Sempre me agradou ver pessoas sofrendo em condições especiais de temperatura e pressão. Cinema. Iria ao cinema, à locadora, cheia de lançamentos que eu perdi. Poderia arrumar meus papéis, passar cremes no rosto e no cabelo. Fazer as unhas.

Discovery. Adoro Discovery Channel. Adoro descobrir mais sobre cobras constrictoras, sobre tsunamis e rever cenas de grandes desastres, naqueles documentários imensos. Me reabasteceria com informações absolutamente desnecessárias, leria todos os blogs do mundo, clicaria em cada um dos links que estivessem listados. Revistas. De moda, saúde, notícias. Todas. Youtube. Falaria no msn, no telefone. E aí, quando eu ficasse bem entediada, começaria essa lista de novo, lá do começo. Porque eu preciso de férias. Uma semana, ou duas, só pra mim.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Overheard

Conversa ouvida em uma sala de MBA da FGV:
- Olá, querida, você está bem?
(Sobrancelhas franzidas, voz meio embargada) - Estou. Estou engordando um pouquinho, mas estou bem.
- O que foi?
(cara de tragédia) - Nada.
- Terminou com o namorado?
- Não.
- O que foi que houve, me conta...
- Estou comendo muito.